POEMAS II


DESDE QUANDO (desde quando alguma vez anoiteceu)

Desde quando alguma vez anoiteceu
E à angústia de que a terra se cobriu
Só pasmo nas esferas respondeu;


Desde quando alguma flor emurcheceu
E a criança que válida se ria
De repente calada apodreceu;

Desde quando a algum estio sucedeu
Um outro outono e a árvore se despiu
E a primeira cabeça encaneceu;

Desde quando alguma coisa que nasceu
Sem que o pedisse, sem remédio se degrada
E acaba, sob a terra que a comeu,
Dispersa entre os átomos dispersos,
Se acumula a tristeza deste dia
E a razão destes versos.
POETA Reinaldo Ferreira (1922-30-6-1959)  ver biografia na página principal dese blogue (home page). Nasceu em Barcelona quando seus pais, o célebre Reporter X e sua mãe Lidia Ferreira, ali residiam. Foi para Lourenço Marques aos 19 anos (1941). Faleceu com 37 anos com cancro. A sua obra foi publicada em 4 livros depois da sua morte. Está considerado um dos maiores poetas da literatura portuguesa pela critíca. (nota deJosé Régio e outros). 
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ADOLFO SIMÕES MULLER 1908-1989
 



Porque será que uma palavra aflora
correspondendo logo ao nosso apelo,
com a medida justa, o justo emprego,
enquanto noutras vezes se demora
(rimmel, bâton, um jeito no cabelo…)
e chega em voo cego de morcego?

Porque será que uma palavra quase
vai buscar outra dentre a multidão,
e esta segunda, uma terceira e quarta,
e assim nasce de súbito, uma frase,
um belo verso, a quadra ou a canção,
a sentença de morte, a tua carta?

Porque será que uma palavra, impávida,
resiste aos séculos e fica jovem,
ou morre (cancro, enfarte, dor reumática),
enquanto outra, novinha, surge grávida,
e aos nove meses os filhinhos chovem
que é um louvar a Deus e à gramática?

Porque será que a rima atrai a rima,
e a rima nova é como o vinho novo
que salta e espuma e baila na garganta?
E outra rima! Outras rimas! A vindima
das palavras não pára… E, no renovo,
o poema é estrela que alumia e canta!

Porquê este mistério, Poesia?
És tal e qual a electricidade:
existe mas nem sempre a gente a vê.
Porque foges um ano e mais um dia
e voltas, alta noite, claridade?
Porquê? Porque será? Porquê? Porquê?


ANTONIO CORREIA DE OLIVEIRA***
(S. PEDRO DO SUL 30-07-1879- ESPOSENDE 20-02-1960)
 
A PÁTRIA: (Soneto porque tem quadras e tercetos)




Ouve, meu filho: cheio de carinho, 
ama as árvores, ama. E, se puderes,
- E poderás; tu podes quanto queres –
Vai-as plantando à beira do caminho.
Hoje, uma, outra amanhã, devagarinho,
Serão em fruto e em flor quando cresceres;
Façam os outros como tu fizeres;
Aves de Abril que vão compondo o ninho.
Torne fecunda e bela, cada qual
A terra em que nascer; e Portugal
Será fecundo e belo, e o mundo inteiro.
 
Fortes e unidos, trabalhai assim…
A Pátria não é mais do que um jardim,
Onde nós todos temos um canteiro.


O perfume (Soneto, porque tem quadras e tercetos)

O que sou eu? – O Perfume,
Dizem os homens. – Serei.      ..............         quadra
Mas o que sou nem eu sei...
Sou uma sombra de lume!

Rasgo a aragem como um gume
De espada: Subi. Voei.
Onde passava, deixei  ................................  quadra
A essência que me resume.

Liberdade, eu me cativo:
Numa renda, um nada, eu vivo   ...................   terceto
Vida de Sonho e Verdade!

Passam os dias, e em vão!
– Eu sou a Recordação;            ................... terceto 
Sou mais, ainda: a Saudade
          
António Correia de Oliveira***
 
Despedida
 
Três modos de despedida
Tem o meu bem para mim:
- «Até logo»; «até à vista»:
Ou «adeus» – É sempre assim.
 
«Adeus», é lindo, mas triste;
«Adeus» … A Deus entregamos
Nossos destinos: partimos,
Mal sabendo se voltamos.
 
«Até logo», é já mais doce;
Tem distancia e ausência, é certo;
Mas não é nem ano e dia,
Nem tão-pouco algum deserto.
 
Vale mais «até à vista»,
Do que «até logo» ou «adeus»;
«À vista», lembra, voltando,
Meus olhos fitos nos teus.
 
Três modos de despedida
Tem, assim, o meu Amor;
Antes não tivesse tantos!
Nem um só… Fora melhor.
 
António Correia de Oliveira (n. em S. Pedro do Sul a 30 Jul 1879, m. em Belinho, Esposende a 20 Fev 1960)
 
***Não confundir com Adriano Correia de Oliveira, que foi músico e cantava muitíssimo bem. Este nasceu em 1942 faleceu em 1982.  

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CECILIA MEIRELES – Rio de Janeiro 7-11-1901 – Rio Janeiro 9-11-1964
De nacionalidade brasileira, filha de portugueses oriundos dos Açores. O pai faleceu 3 meses antes de ela nascer.  Perdeu a mãe antes dos seus 3 anos de idade, foi criada pela avó materna, açoriana de Fajã de Cima, Ilha de S.Miguel.
Foi professora primária, como sua mãe. Demonstra um amor especial pelas crianças (criou a 1ª. Biblioteca infantil em 1934.
Foi mãe de 3 filhas. Os seus primeiros trabalhos foram crónicas sobre o ensino. Activista para as mudanças no sistema educacional.   
Pertenceu a um grupo espiritualista. Depois de professora primária foi professora de literatura Luso-Brasileira e Técnica/Crítica Literárias da Universidade do Distrito Federal.
Em 1935 morre o marido Fernando Correia Dias (suicídio).
Em 1938 recebe o prémio da Academia Brasileira de Letras, pelo seu livro VIAGEM.
Em 1940, 2º. Casamento com o professor Heitor Grillo, lecciona nesse ano na Universidade do Texas. Mais tarde viaja pela Europa e América Latina divulgando a cultura.
Morre em 1964, 2 depois depois do seu 63º. Aniversário.
Em 1965 foi-lhe oferecido a título póstumo o prémio Machado de Assis pelo conjunto da sua obra.
A sua obra é vasta e muito importante. Poemas importantes para mim: Retrato, Motivo,  Epigrama nº.2 este do livro Antologia Poética, Criança, Noções, Acontecimento, Herança e Assovio, do livro Viagem.   
Nos seus poemas, como se pode ler em “ELEGIA A UMA BORBOLETA”, Cecília Meireles presta vassalagem ao que é belo, neste caso aos insectos, a uma borboleta “para servir-te mel e aroma por toda a eternidade escrava”; Em toda a sua obra as artes, os seres humanos, flores, plantas, têm nela uma admiradora e defensora. A poeta que aproxima arte, filosofia e religião, aborda a humanidade, a vida, acima de tudo a sua fugacidade, não só das pessoas mas também das coisas, a solidão, a melancolia, a efemeridade do tempo, a preocupação com temas culturais (o ensino, foi a fundadora da 1ª. Biblioteca Infantil, em 1934) e temas universais.
A poesia lírica ceciliana é marcada por momentos de forte dúvida metafísica. “Ah! Mundo vegetal /nós humanos choramos /só da incerteza da ressurreição (no poema Viagem).
Cecília Meireles suavemente chama-nos a atenção para a morte, ela que desde cedo conviveu com ela. (Morte do pai antes de nascer, morte da mãe antes de ter 3 anos) mais tarde a morte (por suicídio do primeiro marido Fernando Correia, em 1935).
Foi mãe de 3 filhas. Os seus primeiros trabalhos foram crónicas sobre o ensino. Activista para as mudanças no sistema educacional.   
Pertenceu a um grupo espiritualista. Depois de professora primária foi professora de literatura Luso-Brasileira e Técnica/Crítica Literárias da Universidade do Distrito Federal.
Em 1938 recebe o prémio da Academia Brasileira de Letras, pelo seu livro VIAGEM.
Em 1940,  2º. Casamento com o professor Heitor Grillo, lecciona nesse ano na Universidade do Texas. Mais tarde viaja pela Europa e América Latina divulgando a cultura.
Morre em 1964, 2 depois depois do seu 63º. Aniversário. Em 1965 foi-lhe oferecido a título póstumo o prémio Machado de Assis pelo conjunto da sua obra.
ELEGIA (*) A UMA BORBOLETA – CECILIA MEIRELES

Como chegavas do casulo,
— inacabada seda viva —
tuas antenas — fios soltos
da trama de que eras tecida,
e teus olhos, dois grãos da noite

de onde o teu mistério surgia,

Enviaram-me esta foto, sem me indicarem seu dono. Caso seu
proprietário apareça, terei muito gosto em lha restituir.
Como caíste sobre o mundo
inábil, na manhã tão clara,
sem mãe, sem guia, sem conselho,
e rolavas por uma escada
como papel, penugem, poeira,

com mais sonho e silêncio que asas,


Minha mão tosca te agarrou
com uma dura, inocente culpa,
e é cinza de lua teu corpo,
meus dedos, sua sepultura
.
Já desfeita e ainda palpitante,
expiras sem noção nenhuma.


Ó bordado do véu do dia,
transparente anémona aérea!
não leves meu rosto contigo:
leva o pranto que te celebra,
no olho precário em que te acabas,
meu remorso ajoelhado leva!

Choro a tua forma violada,
miraculosa, alva, divina,
criatura de pólen, de aragem,
diáfana pétala da vida!
Choro ter pesado em teu corpo
que no estame não pesaria.

Choro esta humana insuficiência:
a confusão dos nossos olhos
— o selvagem peso do gesto,
— cegueira — ignorância — remotos
instintos súbitos — violências
que o sonho e a graça prostram mortos


Pudesse a etéreos paraísos
ascender teu leve fantasma,
e meu coração penitente
ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma,
por toda a eternidade escrava!
    
E as lágrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos,
os espelhos que refletissem
— vôo e silêncio
os teus encantos,
com a ternura humilde e o remorso

dos meus desacertos humanos!
(*) Elegia, lúgubre, é composição poética consagrada ao luto e à tristeza. Elegia, poesia antiga, latina ou grega, em versos hexâmetros (6)e pentâmetros (5) alternados.
Este poema “Elegia a uma borboleta”, parece fluir como o voo de uma borboleta viva, esvoaçante.
 
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Invictus
(Título Original: "Invictus")
Autor: William E Henley
Tradutor: André C S Masini

Foto de Tó Cortez para blogue: http://www.celestecortez
blogspot.com  ( respeite os direitos autorais, mencionando
seu proprietário e nome do blogue).
Do fundo desta noite que persiste
A me envolver em breu - eterno e espesso,
 A qualquer deus - se algum acaso existe,
Por mi’alma insubjugável agradeço.
Nas garras do destino e seus estragos,
 Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
 Nunca me lamentei - e ainda trago
 Minha cabeça - embora em sangue - ereta.

Além deste oceano de lamúria,
 Somente o Horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
 Não me amedronta, nem me martiriza.
Por ser estreita a senda - eu não declino,
 Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
 Eu sou dono e senhor de meu destino;
 Eu sou o comandante de minha alma.

Copyright © André C S Masini, 2000
 Todos os direitos reservados. Tradução publicada originalmente
 no livro "Pequena Coletânea de Poesias de Língua Inglesa"
 






She canção de Charles Aznavour
(tradução)
Ela pode ser o rosto que eu não consigo esquecer




























Um traço de prazer ou de arrependimento
Talvez meu tesouro ou
O preço que eu tenho que pagar

TRADUÇÃO DE "SHE", canta Charles Aznavour
Ela pode ser a música que o verão canta
Talvez o frescor que o outono traz
Talvez uma centena de coisas diferentes
No espaço de um dia

Ela pode ser a bela ou a fera
Talvez fome ou a fartura
Pode transformar cada dia em um paraíso
Ou em um inferno

Ela pode ser o espelho do meu sonho
O sorriso refletido no rio
Ela pode não ser o que parece ser
Dentro de sua concha

Ela, que sempre parece tão feliz no meio da multidão
Com os olhos tão pessoais e tão orgulhosos
Mas que não podem ser vistos
Quando choram

Pode ser o amor que não espera que dure
Pode vir das sombras do passado
Que eu irei me lembrar até o dia de minha morte

Ela talvez seja o motivo para eu sobreviver

A razão pela qual eu estou vivo
A pessoa que cuidarei através
Dos difíceis e imediatos anos
Eu, eu pegarei as risadas e as lágrimas dela

E farei delas todas minhas recordações
Para onde ela for, eu tenho que estar lá
O sentido da minha vida é ela      



.........................................................




Há sempre um vapor acostado ao cais... 
Há sempre um vapor acostado ao cais... é um livro de poemas do tenente-general Joaquim Chito Rodrigues, presidente da Liga dos Combatentes.

O homem e o poeta: Como homem que cursou a Academia Militar, Joaquim Chito Rodrigues foi transferido para Angola, em ... onde prestou serviço durante .... em Dembos.
Sobre a guerra de Angola, eis algumas palavras suas que com a devida vénia retirei do jornal DN:

A forma como essa guerra ficou para a História é justa ou injusta?
Tenho para mim que a História correcta está por fazer. Só se fará dentro de algum tempo, até porque a nível político, quer com Marcelo Caetano quer com Salazar, não houve guerra em África, mas acções policiais. E essa posição tem consequências graves para aqueles que sofreram a guerra.

Como poeta, agradeço ao tenente-general Chito Rodrigues a dedicatória que tive a honra de receber do seu autor,  pedindo licença para transcrever o prefacio da escritora Inês Pedrosa, no livro "Há sempre um vapor acostado ao cais":
"Se como dizia Teixeira de Pascoaes, "ser poeta é animar as palavras", Joaquim Chito Rodrigues é, profundamente, um poeta. Os seus versos não temem a pele do amor concreto, a saudade viva dos amigos que já não vivem, o sabor lento de cada ensinamento, duro ou doce, do tempo que passa.
É por aí que começa essa perigosíssima actividade de descer às grutas mais escuras da alma para lhe sangrar fantasmas, segredos, cores e cambiantes - é essa a força da sua poesia. As suas palavras luminosas, de uma simplicidade pensada, revelam o universal incêndio dos sentimentos no particular sentido de cada coração."
                 
                                           R E G R E S S O

                                           Está um vapor acostado ao cais
                                           Que suporta a dor de mulher e pais!

                                           Do porão, em guindastes elevado ao céu,
                                           Sai um caixote envolvido em imaginário véu...

                                           Véu de esperança à partida. Véu de guerra.
                                           Véu que deita alguns heróis por terra...
                 
                                           Traz dentro um marido e um filhote
                                           E o caixão, não é mais que um caixote...

              Saiu entre muitos, com seu Batalhão,
              Regressa mais só... que a própria solidão...

                                            Vem deitado. Erguido aos céus, não mexe mais
Cai nos braços de mulher e pais
                       
Alguém esperando, tem uma Bandeira na mão...
Estende-a sobre um corpo dentro de um caixão...

Vem anónimo. Sem se saber o que terá sofrido
    Veio, como vem qualquer soldado desconhecido
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EU SONHEI - EU SOFRI ( Celeste Cortez)



                                         


Pelos caminhos de Portugal - Beleza sem igual

Por: Celeste Cortez



Janela do Castelo de BELMONTE
I


Mais uma vez em grupo vamos
Tratamentos pr’a saúde procurar
Até a um Hotel de Manteigas
E outros passeios dar
II

       Lindas giestas na paisagem
      Neste Maio desconcertante
Bendigamos a natureza
            Que oferece beleza estonteante
III
BELMONTE - MUSEU

 Da nossa história tão rica
Visitamos monumentos de encantar:
- Belmonte, Guarda, Seia, Covilhã, Serra da Estrela
Todos de beleza sem par
IV
Viajar pelas memórias do tempo
Em Belmonte fomos visitar
Castelo, Descoberta do Novo Mundo,
Museu Judaico, do Zêzere e do Azeite
História de Portugal para aos nossos netos contar

V

                        Apesar da chuva fina que caía sem cessar,
a Seia o Museu do Pão fomos visitar
                No comboio pequenino a criança dentro de nós
SEIA - MUSEU DO PÃO
           Soltou-se, brincamos, não parámos de cantar

VI

 Cidade da Guarda – a mais alta de Portugal,
Sempre a mais fria ou quente, mas vibrante,
A sua Sé de pedra a recordar tempos idos
Feitos dum passado inebriante

VII
uma das Igrejas da COVILHÃ




Covilhã lembra as lãs
  De Portugal exportadas
  Hoje cidade encantadora
De ruas bem ordenadas
PERO DA COVILHÃ (chegou a Moçambique
antes de VASCO DA GAMA (ver o livro
Mãe Preta da autora Celeste Cortez) 







VIII

Serra da Estrela: Não preciso de pintar
Com cores da minha imaginação,
A nossa Serra é belíssima,
em qualquer tempo, mesmo sem nevão;

 Caminhos serpenteando
têm a sua razão de ser
 Olha-se a paisagem deslumbrante
Vale a pena subir à Serra para ver...

Ao subir encontramos pedras
que parecem palavras atiradas ao vento
 como estas podem ferir e causar sofrimento
Outras redondinhas, entrelaçadas
Quais namorados de mãos dadas
Adivinham-se laivos de ternura numas quantas
Solidão em outras tantas

 ix
Gostaria de ser poeta
para descrever afinal
Tanta beleza, tanta
 deste nosso Portugal

Celeste Cortez,férias termais, 23 Maio a 6 Junho 2012




















Foto e dizeres de autor desconhecido.
                               Onde o Homem não Chega (Fernanda de Castro)






Onde o Homem não chega tudo é puro,
dessa pureza da primeira infância.
Tudo é medida, ritmo, concordância,
tudo é claro e auroral: a noite, o escuro.

E nem o vendaval é dissonância
mas promessa de sol e de futuro.
Quem levantou esse primeiro Muro
que do perto fez longe, ergueu distância?

Foi o Homem, com suas mãos de barro,
com suas mãos perjuras, fel e sarro
de inútil sofrimento e vil prazer.

Não é tarde, porém: sacode a lama,
ergue o facho, levanta a Deus a chama
e recomeça: acabas de nascer.

Fernanda de Castro, in "Ronda das Horas Lentas"















Tema(s): Homem Ler outros poemas de Maria Fernanda Teles de Castro e Quadros Ferro

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Eugénio de Andrade – Dito por Eunice Munoz (YOU TUBE)

CANÇÃO

Tinha um cravo no meu balcão;
veio um rapaz e pediu-mo
-- mãe, dou-lho ou não?


Sentada, bordava um lenço de mão;
veio um rapaz e pediu-mo
-- mãe, dou-lho ou não?


Dei um cravo e dei um lenço,
só não dei o coração;
mas se o rapaz mo pedir
-- mãe, dou-lho ou não?

(Eugénio de Andrade - Poesia e Prosa)

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POEMA:  Não tenho tempo (Neymar de Barros - poeta Brasileiro)
Partilhei vídeo com a voz de Vitor de Sousa no facebook em 22-4-2012

















Sabe, meu filho, até hoje não tive tempo para brincar com você.
Arranjei tempo para tudo, menos para ver você crescer.
Nunca joguei dominó, dama, xadrez ou batalha naval com você.
Percebo que você me rodeia, mas sabe, sou muito importante e não tenho tempo.
.
Sou importante para números, conversas sociais, uma série de compromissos inadiáveis...
E largar tudo isso para sentar no chão com você...
Não, não tenho tempo!
Um dia você veio com um caderno da escola para o meu lado.
Não liguei, continuei lendo o jornal.
Afinal, os problemas internacionais são mais sérios que os da minha casa.

.
Nunca vi seu boletim nem sei quem é a sua professora.
Não sei nem qual foi sua primeira palavra; também, você entende...
Não tenho tempo...
De que adianta saber as mínimas coisas de você
se eu tenho outras grandes coisas a saber?
Puxa, como você cresceu!
Você já passou da minha cintura, está alto!
Eu não havia reparado nisso.

.
Aliás, não reparo em quase nada, minha vida é correr.
E quando tenho tempo, prefiro usá-lo lá fora.
E se o uso aqui, perco-me diante da TV.
A TV é importante e me informa muito...
Sei que você se queixa, que você sente falta de uma palavra,
de uma pergunta minha, de um corre-corre, de um chute na bola.
Mas eu não tenho tempo...

.
Sei que você sente falta do abraço e do riso,
de andar a pé até a padaria, para comprar guaraná.
De andar a pé até o jornaleiro para comprar "Pato Donald".
Mas, sabe, há quanto tempo não ando a pé na rua?
Não tenho tempo...

.
Mas você entende, sou um homem importante.
Tenho que dar atenção a muita gente.
Dependo delas... Filho, você não entende de comércio!
Na realidade, sou um homem sem tempo!
Sei que você fica chateado, porque as poucas vezes que falamos
é monólogo, só eu falo.
E noventa por cento é bronca: quero silêncio, quero sossego!
E você tem a péssima mania de vir correndo sobre a gente.
Você tem mania de querer pular nos braços dos outros...
Filho, não tenho tempo para abraçá-lo.

.
Não tenho tempo para ficar com papo-furado com criança.
Filho, o que você entende de computador,
comunicação, cibernética, racionalismo?
Você sabe quem é Marcuse, Mc Luhan?
Como é que vou parar para conversar com você?
Sabe, filho, não tenho tempo, mas o pior de tudo,
o pior de tudo é que...


Se você morresse agora, já, neste momento,
eu ficaria com um peso na consciência, porque,
até hoje, não arrumei tempo para brincar com você.
E, na outra vida, por certo, Deus não TERÁ TEMPO de me deixar, pelo menos, vê-lo!

"Neimar de Barros"
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partes 5 e 6 de um POEMA MARAVILHOSO, FEITO POR UM POETA JOVEM, BEM JOVEM, NO TEMPO DA ESCRAVIDÃO.

   QUEM É O AUTOR? ... (oferta de um livro a sortear pelos concorrentes. Deixe a sua mensagem com a sua direção.

V
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!

                                             Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...


São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .
São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.

Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...

Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.

Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...
VI

Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...

Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
Poeta brasileiro - Resposta em outro lugar deste blogue.

(C.A.poeta brasileiro)

EVENTO - POESIA E MÚSICA, NA ALA - ACADEMIA DE LETRAS E ARTES, AVENIDA DA CASTELHANA Nº.13 - MONTE ESTORIL - PORTUGAL


VIAJANDO através do ESTORIL/MONTE ESTORIL: Marginal, vira para o Teatro Mirita Casimiro, passa em frente ao CRUZEIRO; contorna este, vira para a Rua do Viveiro, depois de 500 metros mais ou menos, vira (é a primeira rua à direita, em frente ao campo de futebol do Estoril Praia), sobe o Monte-Rua Mantero, vira à direita até encontrar a Avenida de Pádua. Desce para o lado do mar, vira na Rua de Espinho, de imediato Avenida de Madrid e nesta encontra a Avenida da Castelhana.  
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RUI KNOPFLI (1932-1997)
Rui Knopfli produziu uma encorpada obra literária, num diálogo com as principais tradições clássicas e modernas da poesia do século XX. A sua poesia está entre o melhor que se escreveu naquele século em língua portuguesa

Rui Knopfli nasceu em Inhambane, Moçambique. Foi não só poeta como jornalista. Estreou-se com o livro O País dos Outros (1959). Conjuntamente com João Pedro Grabato Dias, lançou os cadernos de poesia Caliban (1971-72),  Trabalhou como adido de imprensa, na delegação portuguesa à Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque (1974) onde participa dos trabalhos da Comissão de Descolonização. Publicou Memória Consentida (1982) e em 1984 recebeu o prêmio de poesia do PEN Clube. Viveu em Lisboa.  
Em Londres foi adido da embaixada de Portugal.Faleceu em Lisboa e os seus restos repousam em Vila Viçosa, terra dos seus antepassados. (informação da São Knopfli, prima).



Alguns dos seus poemas:   
















CAIR DO PANO  , que uns conhecem por ACÁCIAS RUBRAS outros conhecem por monhé das cobras.

As acácias já se incendiaram de vermelho
e o zumbido das cigarras enxameia obsidiante
a manhã de Dezembro. A terra exala,
em haustos longos, o aguaceiro da madrugada.
Ao longe, no extremo distante da caixa de areia, o monhé das cobras

enrola
a esteira e leva o cesto à cabeça,
cumprido o papel exacto que lhe coube
e executou com paciente sagueza hindu.

Dura um instante no trémulo contraluz
do lume a que se acolhe, antes da sombra
derradeira. Assim, os comparsas convocados
para esta comédia a abandonam, verso
a verso, consignando-a ao olvido
e à erva daninha que, persistente, a cobrirá
irremediavelmente. O encenador faz
a vénia da praxe e, porque aplausos
lhe não são devidos, esgueira-se pelo
anonimato da esquerda alta. É Dezembro
a encurtar o tempo, o pouco que nos sobra.

A seguir, um trecho seu, demonstrativo das saudades da sua terra natal:



Ter-se nascido ou vivido em Moçambique é uma doença incurável, uma virose latente.
Mesmo para os que se sentem genuinamente portugueses mascara-se a doença, ignora-se, ou recalca-se e acreditamo-nos curados e imunizados. A mínima exposição a determinadas circunstâncias desencadeia, porém, inevitáveis recorrências e acabamos por arder na altíssima febre de uma recidiva sem regresso nem apelo'. Rui Knopfli

Se por acaso morrer durante o sono
não quero que te preocupes inutilmente.
Será apenas uma noite sucedendo-se
a outra noite interminavelmente.

Se a doença me tolher na cama
e a morte aí me for buscar,
beija Amor, com a força de quem ama,
estes olhos cansados, no último instante.

Se, pela triste monotonia do entardecer,
me encontrarem estendido e morto,
quero que me venhas ver
e tocar o frio e sangue do corpo.

Se, pelo contrário, morrer na guerra
e ficar perdido no gelo de qualquer Coreia,
quero que saibas, Amor, quero que saibas,
pelo cérebro rebentado, pela seca veia,

pela pólvora e pelas balas entranhadas
na dura carne gelada,
que morri sim, que não me repito,
mas que ecoo inteiro na força do meu grito.
Rui Knopfli

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O QUE É A FELICIDADE - Por:   Celeste Cortez, 

Retirado do meu poema

"Conversa com Deus"

O QUE É A FELICIDADE
Eu quero ser feliz,
e que todo o mundo também o seja, 

Felicidade é haver paz,
Saúde, amor, esperança,
pão na mesa, compreensão,
é o sorriso de uma criança,
paz em todo o coração
alegria na face do meu semelhante
porque todos somos irmãos.
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Poema de Celeste Cortez, do livro L. de E. 

Aquele Grande Rio Eufrates (Poema extraordinário de um poeta já falecido, Ruy Belo) 
        Nalgum oásis do princípio ele fora
um fugitivo brilho no olhar de Deus
-a vida havia de lho lembrar muitas vezes.

Atravessou as nossas ruas entre gatos,
a chuva molhou-lhe as pobres botas cambadas.
Teve um banco de jardim, teve amigos, um deles o sol.
Sempre sem o saber procurou Deus.
Um dia foi campos fora atrás dele, perdeu o emprego
na Câmara Municipal. Teve mãe mas depois
nunca mais foi solução para ninguém.

Naquele dia a morte instalou-o
confortavelmente no céu. Lá se foi
com seus modos humanos, seus caprichos
e um notório acanhamento em público
(há-de a princípio faltar-lhe à-vontade entre os anjos).

Tinha o nome no registo, agora habita
nas planícies ilimitadas de Deus.
Nas suas costas ainda se derrama
a tarde interrompida.

Manhãs e manhãs desfilarão sobre ele,
caracóis cobrirão a memória daquele
que foi da sua infância como qualquer de nós.

Teve um nome de aqui, andou de boca em boca,
agora é Deus que para sempre o tem na voz.

de: Ruy BELO

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LET MY PEOPLE GO 

de Noémia de Sousa (Nasceu em Moçambique-faleceu em Cascais-Portugal

 Noite morna de Moçambique
e sons longínquos de marimba chegam até mim
— certos e constantes —
vindos nem eu sei donde.
Em minha casa de madeira e zinco,
 
abro o rádio e deixo-me embalar...
Mas as vozes da América remexem-me a alma e os nervos.
E Robeson e Marian cantam para mim
spirituals negros de Harlem.
 
«Let my people go»
 
— oh deixa passar o meu povo,
 
deixa passar o meu povo —,
 
dizem.
E eu abro os olhos e já não posso dormir.
Dentro de mim soam-me Anderson e Paul
e não são doces vozes de embalo.
«Let my people go».

Nervosamente,
 
sento-me à mesa e escrevo...
 
(Dentro de mim,
deixa passar o meu povo,
 
«oh let my people go...»)
E já não sou mais que instrumento
do meu sangue em turbilhão
com Marian me ajudando
com sua voz profunda — minha Irmã.

Escrevo...
 
Na minha mesa, vultos familiares se vêm debruçar.
Minha Mãe de mãos rudes e rosto cansado
e revoltas, dores, humilhações,
tatuando de negro o virgem papel branco.
E Paulo, que não conheço
mas é do mesmo sangue da mesma seiva amada de Moçambique,
e misérias, janelas gradeadas, adeuses de magaíças,
 
algodoais, e meu inesquecível companheiro branco,
e Zé — meu irrião — e Saul,
 
e tu, Amigo de doce olhar azul,
pegando na minha mão e me obrigando a escrever
com o fel que me vem da revolta.
Todos se vêm debruçar sobre o meu ombro,
enquanto escrevo, noite adiante,
com Marian e Robeson vigiando pelo olho lumírioso do rádio
— «let my people go».
oh let my people go.

E enquanto me vierem de Harlem
vozes de lamentação
e os meus vultos familiares me visitarem
em longas noites de insónia,
não poderei deixar-me embalar pela música fútil
das valsas de Strauss.
Escreverei, escreverei,
com Robeson e Marian gritando comigo:
«Let my people go»
OH DEIXA PASSAR O MEU POVO.
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